sexta-feira, 28 de março de 2014

A Grande Descoberta

Abro os olhos e vejo que está chovendo. Estou no beco, sozinho e completamente molhado.
Mais um dia de angústias se anuncia.
É manhã de terça... Ou quarta?... Não sei!
Meu estômago reclama. Começo então a revirar o lixo a procura de comida; em meio aos dejetos abandonados pela sociedade busco minha sobrevivência, após algum tempo, ironicamente, encontro.
Alimentado – se é que assim posso dizer – procuro um lugar para descansar e me proteger do frio. Uma caixa de papelão que, aparentemente pelas figuras nela contidas abrigou um fogão, será por enquanto meu abrigo.
Agora em minha nova “casa”, um pouco aquecido e tremendo menos, me perco em meus pensamentos: vislumbro uma mesa cheia de gostosuras, uma casa quentinha e bonita, alguns passarinhos cantando e um raio de sol se esforçando para atravessar as cortinas no intuito de me tocar...
Um pingo me desperta...
A chuva umedeceu o papelão, rolo para um pedaço seco do papelão e esforço-me na tentativa de recuperar meu pensamento, quero minha mesa, minha casa, meus passarinhos, meu sol... Em vão! Terei que enfrentá-la!
Cansado de todo este padecer outro pensamento toma conta de minha consciência, mas agora não é fictício. É real, mais uma vez me questiono.
Qual será o motivo disso tudo?
Será que sou o resultado de uma sociedade fracassada, na qual, seus governantes mantém um quadro histórico-social de desníveis, onde poucos são favorecidos e a grande maioria, iludida com os grãos de milho que lhes são lançados, se entorpece e aceita este tipo de quadro, não demonstrando insatisfação, que indubitavelmente a faria tomar uma atitude melhoradora, reformadora, renovadora?
Ou será que sou um produto dos meus próprios atos?
Será que nunca observei claramente a situação, e também iludido escondo-me, como uma tartaruga em seu próprio casco, não tendo iniciativa e não tomando atitudes de melhoria, ficando entregue a uma auto-inatividade e, como muitos, fingindo não conhecer a resposta – mesmo a conhecendo – ergo, assim, brados em direções diversas, tentando achar um culpado para aquilo que eu mesmo criei?
Oh, D’us! Foram tantas as noites e os dias vendo as pessoas passarem, e delas ouvindo coisas do tipo:
_ Ah! Que nojo.
Ou então:
_Ah! Por que ninguém toma uma atitude quanto a isso.
Mas ninguém nunca me ergueu a mão. As pessoas preferem virar o rosto e fugir enojadas, a se preocuparem comigo; por isso até hoje estou assim, com fome, molhado, e dentro de uma caixa de papelão...
De repente ouço gritos.
_ “Ali, ali”.
E acredito conhecer as vozes que surgem de repente em meio à chuva e ao caos urbano.
_ “Ali, dentro da caixa de papelão”.
Realmente as conheço.
São eles. Jovens desumanos que se divertem comigo, abusando de minha incapacidade de reagir!
E então ouço o grito que para mim significa - “fuja”.
_ “Mata”.
Tento correr, mais estou fraco, e logo sinto aquela dor forte na barriga ocasionada por um chute que um dos jovens me dá. Rolo e gemo. Imploro para eles pararem, mas parece que eles não conseguem compreender o que digo e continuam em sua investida mortal contra mim. Não posso ficar aqui, devo correr, pois se fico será o meu fim.
No meio de minha fuga desesperada, e do ataque ensandecido dos jovens, latas de lixo são atiradas ao chão, e as poças d’água formadas pela chuva perdem sua limpidez, tornando-se finalmente coerente com o quadro geral daquele fétido beco.
Como por um milagre consigo me esconder, de meu esconderijo vejo meus algozes praguejando e me procurando. Demora algum tempo, mas, cansados e sujos em meio ao lixo, eles desistem de minha procura e se vão.
Agora estou fraco, ferido, sangrando e me interrogo por que não os enfrentei, talvez por algum milagre eles alcançassem seu objetivo finalizando de uma vez todo esse padecer.
Mas isso já não importa. Espero mais alguns minutos e saio de meu esconderijo, devo achar um lugar seguro para descansar e tentar curar os males que me causaram.
E foi aí, nesse instante de dor e medo, numa tentativa instintiva de sobrevivência, que o mundo com toda a sua incoerência me deu a resposta pela qual há muito almejava, e que tanto me parecia inalcançável.
Ao sair de meu esconderijo passo por um espelho quebrado... Olho meu reflexo... E descubro...
Sou um rato.

Filitus Lux

Um comentário:

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