domingo, 28 de abril de 2013

Retorno . . .


Um velho peregrino caminhava
Por entre estradas ermas e sombrias,
Do firmamento as luzes contemplava
Na solidão daquelas noites frias.

Sozinho os pensamentos elevava
Buscando reviver antigos dias,
Quando a visão humana desvelava
Da nona esfera as altas harmonias.

E quando enfim chegou o grão momento
De receber o vigoroso alento
Que os mestres do saber tanto buscaram.

O velho peregrino retrocede,
E à mente universal, sorrindo, pede:
"- Deixai-me ir buscar os que ficaram..."

Drol Redaj

Obs.: agradeço por mais essa contribuição e confiança do nosso frater que é depositário das obras desse antigo mestre.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Cristo e Ogum dançando "soltinho"


Esta é uma postagem antiga, do blog oclaustrodeefrata.blogspot.com.br, do nosso grande irmão Luiz Fernando Brites, aproveitando a data republico-o e colho o ensejo para agradecer ao Luiz ter nos autorizado.



Estava eu no Centro Cultural Carioca, em um evento de dança de salão. Comigo estavam minha mulher, meu compadre e comadre mais dois amigos. Todo mundo dançando à beça, pedindo música, riscando o chão... Enquanto eu, que não danço lhufas, estava a construir uma pirâmide mística de latinhas de Brahma sobre a mesa, a fumar igual uma caipora e a divagar, tentando me achar naquele evento que sinceramente, não tinha nada a ver comigo! Só pra que se tenha uma noção, eu comecei a fazer análises epistemológicas de músicas como "Tô nem aí", de Luka (Putz, eu fiquei pensando: como alguém pode fazer uma música pra outra pessoa e logo em seguida dizer que não pensa nela, que "agora tá em outra"?). Eu sei, exagerei... Mas é que o tédio estava me revirando! Então surgiu a pérola que me valeu a noite. Na voz de Zeca Pagodinho:
- Eu sou descendente Zulu, sou um soldado de Ogum. Devoto dessa imensa legião de Jorge...


Aquilo me arrepiou, senti uma profunda reverência por Jorge, Ogum e afins.


Aonde eu quero chegar com isso? Pois então, a religiosidade. A maioria esmagadora de nossa população é religiosa por assim dizer, professa algum credo, segue alguma doutrina religiosa. E nós, os pensadores, filósofos, místicos, iniciados, magistas e etc? Ah, nós somos uma elite que estamos acima disso... Ou pela razão, ou pelo nível de "espiritualidade", nos libertamos da religiosidade que escraviza. Uns dizem ser o ópio do povo, outros o embotamento da realidade; outros vão além: trata-se de velhas formas de se relacionar com sagrado, ou por evitar um criador antropomórfico ou por viver em ditames de novos ciclos e aeons. O fato é que religioso virou sinônimo de supersticioso, atestado de pouco alcance intelectual, algo pejorativo entre a elite espiritual de nossa gente. Santa ignorância! O sentimento de religiosidade está no patamar das coisas que nos diferenciam dos outros animais, é algo inato. É também uma faculdade de apreciação, similar à percepção do belo, da música ou a lógica aritmética. É uma forma única de lidar com exposições numinosas da realidade imanente e transcendente (eita, baixou o Jung aqui...), alternativa em relação ao modo que analisamos os assuntos ordinários. Isso será clarificado mais adiante.


Algo parece fundamental nisso tudo: buscar compreender a imanência e a transcendência das experiências. De cunho pessoalíssimo, essa análise deve ficar a cargo de cada indivíduo, mas cindir esses dois aspectos é muito perigoso. Um exemplo disso: estava conversando com minha mãe quando Aline (irmã), ao passar por mim, me chamou de louco. Foi imediatamente repreendida:
- Não faça isso, está em Lucas (capítulo x, versículo y...): é réu do fogo quem chama seu irmão de louco!
Instantes depois estavam comentando sobre uma fulaninha da rua...
- Aquelazinha? Sai com todo mundo...


E eu pensei com os meus botões: chamar de puta pode, "louco" que é pecado.
Percebe? Uma fé onde a imanência sumiu é totalmente dependente do que transcende. Uma fé sem elasticidade, que implora por decretos e mediadores a todo instante, liturgias e sacerdotes, profetas e sacrifícios de sangue. Mas Cristo e Jorge ainda fizeram grandes contribuições para estes relatos...

Na primeira segunda-feira de março, eu saí de serviço. Após trinta e poucas horas de ermo saí para resolver algumas coisas e buscar minha mulher e minha filha, que haviam dormido na noite anterior na casa de meu sogro. Tinha ido somente com o dinheiro da ida para o trabalho, então procurei um caixa eletrônico para sacar uns trocados. Os cartões não passaram. Rodei todas as agências da Vila Militar, nenhuma quis me liberar um vintém! Uma até prendeu meu cartão por demorados trinta minutos; até que um camarada, acometido de bom-mocismo me apareceu com um alicate. Enquanto isso chovia bicas. Algumas moedas em meu bolso chegavam ao total de um e cinquenta, o valor de um ônibus promocional que passava a cada trezentos anos por ali. Aguardei como um iogue. Fui até a Pavuna. Rodei todas as agências de lá. Nada. Quando passei em frente à Igreja da Matriz, decidi entrar. Jorge queria estar comigo e eu fui até ele. Senti uma grande emoção ao estar ali, ajoelhei-me. Senti-me impelido a prestar culto, mas muitas ponderações antecederam... Seria Jorge de fato Ogum no sincretismo? Na Bahia é Oxossi... Mestre das forjas ou um combatente? Não se deve ignorar a razão, mas saciá-la. Pensei que a Imago já havia passado por outras condensações, que estava como devia estar naquele momentum. De joelhos curvei minha fronte:
- Salve Jorge, aqui estou!
- Peleja ao meu lado esta noite. Caminhemos juntos sob a chuva forte, como quem marcha para o combate. É preciso derrotar um dragão.
- Assim será feito Comandante.
Levantei vestido com as roupas e as armas de Jorge, ele galopava ao meu lado, eu ao solo como infante que sou. Após decidir marchar, alguns conhecidos me gritaram dos ônibus que passaram ao largo, como uma tentação para desistir de peregrinar. Com o auxílio de meu fiel Capitão, fui até minha casa. No fim, um carro com aqueles típicos decalques evangélicos: "Os humilhados serão exaltados". Sincrônico. Ao chegar ajoelhei-me novamente e agradeci pela vitória.

Dias depois algo muito intenso aconteceu, voltei a falar com uma pessoa que há quinze anos se quer nos olhávamos, mantendo uma relação de raiva e desprezo. Venci meu orgulho, fui até ele e o abracei. Houve recíproca. Nesse instante vi Jorge tombando o dragão que perseguimos aquela noite. Salve Jorge da Capadócia!

Tá aí: Por todos que deixam o Espírito Santo sair de seus corações e habitar em linhas frias, bem como o supra-sumo do pedantismo dos que guardam o sagrado em frascos, o monge se mantém na cela, e pede aos céus piedade pelos extremados; mas por todos que vivem a religião de suas almas, que são abertos a santidade do agora, para quem pede e quem destina o perdão, as abadias ficarão vazias e frias, a viúva se casará, o guarda britânico sorrirá, o celacanto virá à praia!

Ogum (Zeca Pagodinho)

"Eu sou descendente Zulú
Sou um soldado de Ogum
devoto dessa imensa legião de Jorge
Eu sincretizado na fé
Sou carregado de axé
E protegido por um cavaleiro nobre

Sim vou à igreja festejar meu protetor
E agradecer por eu ser mais um vencedor
Nas lutas nas batalhas
Sim vou no terreiro pra bater o meu tambor
Bato cabeça firmo ponto sim senhor
Eu canto pra Ogum
Ogum
Um guerreiro valente que cuida da gente que sofre demais
Ogum
Ele vem de Aruanda ele vence demanda de gente que faz
Ogum
Cavaleiro do céu escudeiro fiel mensageiro da paz
Ogum
Ele nunca balança ele pega na lança ele mata o dragão
Ogum
É quem da confiança pra uma criança virar um leão
Ogum
É um mar de esperança que traz a bonança pro meu coração
Ogum."


D'us dos fortes e dos fracos, perdão pelos pecados, pela ironia e pelo neologismo. Assim Seja!

- Saravá Mundo Cão!!!