segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Deus é Laico



Contribuição do amigo JD Lucas, a quem agradeço por me confiar esse texto.

A religião foi a maneira que o homem primitivo encontrou para lidar com suas questões sem solução, um impulso surgido da necessidade de um aspecto transcendente operando por trás da realidade. Em princípio, os deuses assumiam formas ou manifestavam-se através dos aspectos naturais, e todo o paganismo deriva dessa disposição. Adiante, com a sofisticação da escrita em decorrência da criação de códigos sociais — que ampliou a interação entre dois sujeitos que compartilhavam o mesmo sistema linguístico — aqueles mais letrados passaram a impor sua religião como única, ou mais aceitável, associando o valor do sentimento religioso proporcionalmente ao valor do conhecimento adquirido sobre a natureza. O preço dessa operação foi morte do mito, ou sua imersão no desconhecido. 
Todos os fatos, acontecimentos e por quês advém, no entanto, da mesma raiz comum a homens e mulheres, e o mito é uma realidade inerente a todo ser. A substituição do paganismo em grande parte do ocidente por uma religião de credo monoteísta surge para agrupar aqueles aspectos naturais que antes tinham vontade e personalidade própria, para formar um todo ultra-consciente que conecte tantos aspectos errantes numa mesma unidade conceitual. Assim, você tem a destruição de milhares de deuses em troca do nascimento de um apenas-Ele, responsável desde já, pela fundação da realidade, como se outros deuses nunca tivessem existido ou não tivessem importância. Então, a consolidação do monoteísmo no ocidente, à medida que o homem adquire e quantifica conhecimento sobre si, é ele mesmo símbolo dessa unificação de aspectos díspares de influência da natureza em um só aspecto permeando todas as coisas. Uma só lei, Uma só causa. 
Com o advento do cristianismo, um novo e importante dado é acrescentado, e vem transformar pra valer a concepção de divindade. Sendo um desdobramento daquela essência una, Cristo é o Deus feito carne, um homem por todos os homens, o que leva a informação mitológica do herói (Hércules, Odisseu, Ajax... pra citar os gregos) novamente às alcovas, onde mais se carece de uma intervenção divina; Dalí, a informação se espalha e, com o acréscimo gradativo dos aspectos míticos gerado pelo boato (milagres, sabedoria, ascendência divina...) temos um mito que surge forte o suficiente pra desbancar divindades muito antigas, como o Mitra grego ou o Hórus egípcio. Valendo-se de estratégias humanamente sagazes e simples, o corpo do que seria mais tarde a igreja católica, associa aspectos míticos de outras crenças no intuito de criar identificação com as pessoas, que carentes de espelhos transcendentais, volta-se para o absolutamente novo filho de deus.
A humanidade atinge dessa forma, com a ascensão crística, um valor que a própria concepção política da Igreja não pode prever. A ideia de que cada um, em sua individualidade, tem capacidade e competência para realizar-se de forma plena. Simbolicamente, é como se, com a ascensão de Cristo, Deus também tivesse deixado pra trás os templos, e postulasse que só vivendo inteiramente a própria individualidade e retirando-se de toda mediocridade de pensamento e ação, será possível alcançar o Céu, ainda que todo erro e ilusão sejam necessários. Prova disso é que no relato do mito da crucificação, Cristo exprime, perplexo: “Meu deus, meu deus, por que me abandonaste?”, como um ato tardio de dúvida que o torna humano. Foi abandonado na cruz, desfeita toda sua ilusão. A resposta transcendente à sua realização é a ascensão em corpo e espírito aos céus, a ressurreição propriamente dita.
Ninguém pode afirmar de fato se Jesus existiu, ou sobre os milagres que realizou, mas por haver um Cristo, quer dizer, um Salvador associado ao sentimento religioso do mundo, um mito tão atuante sobre a auto-realização aponta principalmente para o fato de que deus, a mônada, não está preso ao templo ou à filosofia, sequer está preso a algo, quer sejam as concepções mais restritas ou libertárias. Pra realizar-se plena e satisfatoriamente, o conceito ultrapassa toda limitação, inclusive as lingüísticas, e se estabelece para além do discurso, muito além, para dentro.
Então esse texto atinge o máximo de sentido que pode atingir e termina.

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